domingo, 25 de janeiro de 2009

Excerto de Ode ao Alentejo

"Alentejo seen from the train

Nothing with nothing around
and a few trees in between
none of wich very clearly green,
where no river or flower pays a visit
If there be a hell, I've found it,
for if ain´t here, where devil is it? "

Poema em inglês do Fernando Pessoa que li quando nem inglês conseguia ler. Lembro-me sempre dele sem tradução, pois só há muito pouco tempo li uma tradução, neste caso, do Jorge de Sena.

"Alentejo visto de comboio

Nada com só nada à volta
e umas árvores à mistura
nenhuma delas verdura,
que rio ou flor não enflora.
Se há inferno, dei com ele
pois se não é aqui, onde diabo será ele? "


Lembro-me vagamente de uma estória que envolve um carro parado, avariado, à beira duma antiga estrada nacional, que atravessava ( e ainda atravessa ) o Alentejo e que liga Lisboa e o centro do mundo português ao Algarve. Nessa estória, que me é real, não tenho certezas da minha presença efectiva no carro, porventura um Morris Marina verde, mas tenho certezas de que o trauma ficou durante anos da minha infância... e a travessia do Alentejo era dor, positivamente atenuada pela segurança familiar de reunião intima nos bancos dos vários automóveis que atravessaram connosco o descampado alentejano, bem como o ronronar de vários motores que nos levavam a uma sonolência pueril nos estofos de napa pretos.

... Foram muitas aquelas viagens de infância, depois foram também muitas as da juventude, essas carregadas de outras dores, assim como de outras alegrias ou seguranças...
...foi sem dúvida a viagem mais diz na minha vida.
Alguém disse que "em viagem se descobre mais e se conhece melhor, a nós próprios, que sentado ou parado a coçar o rabo".


Comecei pelo texto do Pessoa porque me lembro sempre dele quando penso no Alentejo, mas nunca quando lá estou. O que é paradigmático...
Fui pessoano nos estudos, estudei-o até me fartar, quis ser estudioso profissional da sua obra, mas não tive paciência (mea culpa) nem instrutores decentes, esqueci-me dele, acho que já nem o leio, mas ainda me lembro dele muitas vezes.
A minha relação com o Alentejo é muito similar ao F.P. tem vários heterónimos, é grande, é comprida, tem diferentes maneiras de sentir, diferentes maneiras de se mostrar, é estranha, é bonita e é química.
...

É a minha região predilecta, talvez ao lado do pequenino Algarve e da Puglia, eu, que, segundo uns amigos de Aljustrel sou só um alentejano sem travões...

...
Gosto da gastronomia, gosto de pescar em barragens, gosto de poejo e beldroegas, gosto do vinho, gosto das pessoas e das azeitonas encima da mesa, de Nisa a Castro Verde, gosto do queijo, gosto de Arraiolos, gosto mais do interior do que do litoral, e este Alentejo que eu gosto.

...
Agora, gosto de cantares alentejanos, gosto de coros de homens e mulheres esganiçadas mas lânguidas, gosto de como os alentejanos se queixam e de como resolvem as coisas, gosto da mesa cheia,de azeitonas, açorda, vinho, sorrisos e vozes, de branco com outras cores, de pão, migas, carne de porco, gosta de pouca gente, gosto de boa gente...


" Alentejo, terra do pãããão,
onde eu tenho a residêêêência,
acabou-se a azeitona,
meu trabalho pede ausêêêência

vou-me embora p'ra Lisboa
porque a vida cá é maááá
à busca de coisa boa
procuro, não encontro cá

Quando eu voltei no combooooio
que assoprava pela liiiinha
às vezes penso comigo, e digo,
não sei que sorte é a miiiinha,

Quando eu cheguei ao Barreeeeiro
montei-me no barco que passa o Teeeejo
Chora por mim qu'eu choro por ti,
já deixei o Alenteeeejo.



Nandinho Voltaren

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